Europa

Escócia

Caminhando pelo lado errado das estradas da Escócia

Nossa entrada no Velho Mundo foi cansativa. Como as passagens foram compradas em cima da hora, pois preferimos resolver primeiro o envio do Pezão, não sobraram itinerários menos desgastantes. Fomos de Miami para Paris, depois para Amsterdan e, finalmente, Glasgow. Desde a saída até o destino final foram quase vinte e quatro horas entre aeroportos e aviões.  


Porém, os chás-de-cadeira que tomamos não tiraram a empolgação de estarmos indo para o Reino Unido. Tínhamos visto fotos impressionantes das highlands escocesas, e estávamos em grande expectativa. 


Assim que saímos do aeroporto, veio a primeira boa novidade: tínhamos alugado um carro. Até aí, sem grandes emoções. Era um Peugeot 307 bem comum... Se não fosse o fato de que o volante residia, desafiadoramente, do lado direito! Pela primeira vez estaríamos em um país que trafega pelo lado esquerdo da pista! 


Chave na mão, colocamos a bagagem no porta-malas. Olhei pro Peugeotzinho preto confiante. Um caroço de feijão como esse não iria meter medo em quem está acostumado a dirigir um iceberg de três toneladas. Mais ou menos... 


Já na hora do embarque, vi que a coisa não era tão simples. Fui instintivamente pra porta do lado esquerdo com a chave na mão e me deparei com um vazio. Muito estranho ver o lado esquerdo sem o volante, painéis e pedais. Olhei para o outro lado e vi a traquitana de manejo. Dei um riso de canto de boca pra Du e dei a volta no carro. Sentei no banco do piloto e enfiei a chave. Mão direita no volante, mão esquerda na marcha, pensei: “isso deve ser proibido...”. Fui saindo com o carro como se fosse a primeira vez que eu dirigia. É muito estranho ficar com todo o lado esquerdo sobrando. O retrovisor canhoto parecia estar com os dias contados. 


Dirigimos ao redor do próprio aeroporto para dar uma acostumada. Foi ficando um pouco melhor, então encaramos a estrada. Após alguns segundos meio perdidos, começou a autopista. Enfiei-me do lado esquerdo, na pista lenta, e fiquei por lá. Era uma sensação muito ruim, pois se relaxasse um pouco na atenção, o carro ia naturalmente para a direita. Então, olhos fixos nas faixas da pista! 


Nosso destino era Edinburgh, o que distava pouco mais do que uma hora. Chegamos bem, vivos, e não tivemos dificuldades em achar o hotel. Estacionei o carro aliviado. Essa hora dirigindo cansou mais do que outras cinco nas serras colombianas! Minha cabeça parecia que ia explodir... 


Edinburgh é uma cidade fantástica, e paramos por lá por duas noites. Ficamos muito bem instalados, em um hotel em frente a uma praça repletas de bares e restaurantes, logo abaixo do castelo da cidade.  


O fuso horário destrambelhou completamente o nosso sono. Iniciamos, então, a difícil tarefa de tentar dormir e acordar no novo horário. No primeiro dia, acordamos às duas da tarde... Depois, tivemos que dar uma forçada. Acordar às oito da manhã, equivalentes a três da madrugada nas Américas, foi um suplício.  


Passeamos pela cidade em um dia de muito sol e jogo do Brasil. Na hora marcada, estávamos devidamente uniformizados em um bar com muitas televisões e torcedores da Holanda. No intervalo, estávamos por cima, mas um vexaminoso segundo tempo nos fez baixar a cabeça e ir para o hotel tirar as camisas. Paciência. 


No dia seguinte partimos em direção aos imensos lagos que são característicos desse gelado país. O tempo não estava muito bom, e os termômetros marcavam entre quinze e vinte graus no verão escocês. Nosso destino era Inverness, uma cidade turística ao norte de Glasgow. O cenário era bem diferente e bonito, mas o mal tempo não nos permitia aproveitar todo o seu potencial. 


Vez por outra, um fino tirado de um carro estacionado na direita ou uma beliscada no meio fio me faziam lembrar de ficar esperto na direção. Passar as marchas com a mão esquerda era um verdadeiro tratamento preventivo contra Alzheimer. As rotatórias eram como roletas-russas e, por mais de uma vez, acabei na contramão com um carro, e seu motorista indignado, parados na minha frente. Fazer o quê?! Quem manda dirigirem do lado errado?! 


Chegamos a Inverness ainda sem o pique restabelecido. Paramos em um hotel muito simpático fora do centro da cidade, e tratamos de tentar dormir cedo. No dia seguinte rodaríamos bastante. 


Acordamos bem cedo para o horário de Miami, mas tarde para o da Escócia, e partimos para a estrada. Nesse dia a chuva apertou um bocado. Chovia o suficiente para mal conseguirmos ver as montanhas que rodeavam os vales que atravessávamos. Uma pena, mas o verde abundante da região deixava claro que esse tempo não era pouco freqüente. Paramos no famoso Lago Ness e conseguimos algumas fotos sem nuvens. Apesar do tempo, o clima no carro era de inteira festa. Achávamos tudo bom. O sol resolveu dar as caras quando paramos em um fantástico castelo à beira do lago, o que fez a fotógrafa finalmente esticar as pernas. O vento era impressionantemente forte e gelado, então o trabalho de registro teve que ser um pouco rápido. Mas o resultado ficou excelente! 


Demos a volta no Lago Ness e no dirigimos à costa oeste, para uma ilha chamada Skye. No caminho, parada para almoçar e ver a Alemanha esculhambar a Argentina. No início, valia até uma torcida para los hermanos continuarem representando a América do Sul, mas, depois do terceiro gol, desistimos e comemoramos o largo placar com os alucinados alemães do restaurante. Serviu para dar uma amenizada na nossa saída prematura da Copa: perdemos, mas não levamos uma sova! 


O tempo não ajudava, e a visita à ilha foi toda debaixo d’água. Decidimos arremeter a ida à ponta mais distante e retornar em direção ao ferry que nos levaria de volta ao continente. No caminho, um aviso informava que a saída do ferry fora cancelada pelo mal tempo. Passamos por lá para dar uma olhada e ver a questão do pagamento, pois tínhamos reservado pela internet. Tudo acertado, voltamos pela mesma ponte da entrada e nos dirigimos para a próxima cidade: Fort William


Fort William, assim como as demais pequenas cidades da região, é extremamente agradável. Limpa e calma, a cidade convida ao descanso. À noite, ainda chovia. Vimos no telejornal que as chuvas das últimas vinte e quatro horas equivaliam a todo o mês de junho. A boa notícia ficava por conta do aumento dos preocupantes níveis dos reservatórios das hidroelétricas. Para nós, uma pena. 


Conseguimos sair um pouco mais cedo para nosso último dia inteiro de visita ao país. A boa surpresa ficou pela sorte de termos nos hospedado em um hotel vizinho a um canal, chamado Neptune´s Staircase, que ligava dois lagos da região. Como se fosse um pequeno Canal do Panamá, esse charmoso empreendimento permitia, com suas oito eclusas, que veleiros e outras embarcações vencessem a diferença de nível de vinte e cinco metros existente entre os lagos. Ficamos um bom tempo admirando e fotografando o canal, e ainda vimos a passagem de uma Maria Fumaça.  


Seguimos então rumo sul, de volta a Glasgow. Após o almoço, sol! Finalmente ele apareceu e, dessa vez, não sumiu mais. Aproveitamos o máximo que pudemos, saindo e voltando da rota programada. Passamos por diversos lagos nessa tarde, e finalmente pudemos ver melhor a grandiosidade do cenário escocês, incluindo um dos picos mais famosos, o Glencoe.


Chegamos a Glasgow no final do dia e paramos direto para jantar. O pôr-do-sol foi muito iluminado, o que rendeu boas fotos das igrejas próximas do nosso restaurante. Fomos para o hotel, dormimos e, no dia seguinte, partimos para o aeroporto. Confesso certo alívio quando finalmente devolvi o carro sem um arranhão. Foi uma boa experiência... Junto com o costume, estava começando a vir a diversão em dirigir “do lado errado”. Ainda me pergunto se eu podia ter alugado esse caroço de feijão... 


Saímos felizes da Escócia. Aproveitamos o pouco tempo da melhor forma que conseguimos, e a tarde ensolarada do último dia fez valer toda a visita. Nosso destino era a Noruega. Pela primeira vez ficaríamos hospedados na casa de amigos, e a expectativa de sair um pouco da rotina de hotéis e restaurantes era muito boa.  


Que venham os Fjords noruegueses!