América do Norte
Estados Unidos
Estados Unidos da América – organização, civilidade e fast foods
Asfalto, cimento, prédios, máquinas e muita propaganda. Esse foi o cenário que encontramos a maior parte do tempo nas estradas dos Estados Unidos da América. A gritante diferença do que tínhamos visto até agora tornava a viagem, ao mesmo tempo, interessante e sem graça. Tínhamos um objetivo: cruzar do Oeste para o Leste o mais rápido possível e despachar o Pezão de Miami para a Europa.
Entramos no Texas, bem próximo ao Golfo do México, e paramos o carro na cidade de McAllen. A idéia era arrumar, correndo, um restaurante com televisão e ver o já iniciado jogo do Brasil. Não foi difícil. Entramos em uma rua incrivelmente larga e sem trânsito, e rapidamente paramos em um shopping com vários restaurantes. Fomos apresentados então ao massacrante conceito de alimentação americano: a fast food! Rápida, prática, produzida em série e totalmente não saudável. No início foi até divertido, mas, com o tempo, foi ficando simplesmente intragável.
Comemos, assistimos à vitória brasileira e pegamos a estrada. Rumo Leste! Tínhamos somente um ponto turístico que queríamos visitar: New Orleans. A cidade ficava bem no caminho, e queríamos conhecer suas famosas atrações noturnas: bares tocando blues e jazz e muita birita. No mais, esperávamos estar na Florida em somente quatro dias. Considerando a baixa velocidade que podíamos desenvolver com o Pezão e o tamanho dos EUA, era uma missão razoavelmente arrojada. Foi nessa hora que o incrível desenvolvimento americano jogou a favor: as estradas eram simplesmente fantásticas e a estrutura de hotéis e restaurantes, digo, fast foods, incrível. Pegamos uma estrada interestadual imensa e praticamente não paramos. Aproveitamos a impagável tranqüilidade de poder dirigir até a hora que o cansaço mandasse encostar. Nesse momento, bastava tomar a decisão de que era hora da pausa e ficar de olho no próximo cruzamento. Em menos de quinze minutos surgia uma saída da estrada, e era só ficar de olho na sinalização para saber o que havia disponível. Todo cruzamento, sem exceção, era precedido por placas informando quais eram os hotéis, restaurantes e postos de gasolina daquela saída. Depois de pegar a saída, novas placas indicavam a direção e a distância. Uma organização estupenda. Alguns dias, nos quais a viagem estava rendendo bem, topamos, pela primeira vez na viagem, dirigir à noite. A sensação de segurança, tanto na estrada como na certeza de encontrar onde dormir, foi insuperável até agora. Outro ponto interessante eram os pontos de descanso, chamados por eles de “Rest Areas” – estruturas bem equipadas com banheiros, churrasqueiras e estacionamento. Tudo isso sem nenhum custo.
Dessa forma dormimos em Sinton, Texas; Lafayette e New Orleans, Louisiana; e Tallahassee, Florida. Todos, a exceção de New Orleans, foram paradas somente para dormir. Nesse ritmo, conseguimos rodar quase três mil quilômetros em cinco dias.
Um episódio interessante aconteceu quando resolvemos parar em um hospital à beira da estrada. A Du estava pipocando de tanto enjôo e dor de barriga, seqüelas do México, e achamos melhor parar em um hospital e obter uma receita médica. Na primeira farmácia que paramos já tinha ficado claro que, sem receita, nada de remédios!
O hospital era muito organizado e limpo. Hotel cinco estrelas. Em pouco tempo a Du já estava com aquela roupa ridícula de hospital, aquela!, que fica com a bunda de fora!, com o dedo plugado em um equipamento de monitoramente e em um quarto com televisão e banheiro. O médico veio, deu uma examinada, e constatou que não era nada grave. Alguns remédios básicos provavelmente resolveriam. Fiquei na minha, enquanto esse bafafá rolava, vendo o jogo de estréia da Espanha na Copa. Mais alguns minutos de bons tratos, incluindo alguns mimos, como sucos e pudins, e estávamos de alta. Passamos no caixa pra pagar a conta... “That’s ok. You don’t have to pay”. “Como assim?!”, nos entreolhamos. “Nothing?!”. O cara confirmou que não devíamos pagar nada e, obviamente, não perguntamos de novo. Partimos
Saímos dando boas risadas com as lembranças dos hospitais que visitamos na Colômbia, Venezuela, Honduras e outros... Ponto para o primeiro mundo!
A parada em New Orleans foi especialmente memorável. Saímos em uma noite de final do basquete americano: Boston Celtics contra Los Angeles Lakers! Era o último e derradeiro jogo. O campeão sairia necessariamente pela vitória naquele jogo, então todos os bares transmitiam a partida. Paramos em uma série deles, em especial alguns que vendiam uma tradicional bebida: uma tal de Hand Grenade (granada de mão). Vimos cada quarto do jogo em um bar, devidamente municiados por uma Hand Grenade. Não demorou muito para ficarmos enrolando a língua. Foi uma divertida noite, com vitória do Lakers e muita música ao vivo. O destaque ficou para a quantidade de figuras nas ruas. Cada um mais esquisito que o outro.
Seguimos “ressacudos” no dia seguinte para a Florida e, após o pernoite em Tellahassee, viajamos até Orlando. Não buscamos belezas naturais nos EUA, pois decididamente não era o forte do nosso trajeto. Preferimos optar por dar um tempo das estradas em Orlando e aproveitar para curtir um pouco o atrativo da região: os parques de diversão.
Combinamos de ficar quatro noites em Orlando. A viagem tinha rendido bem e o nosso cronograma para entrega do Pezão estava com um pouco de folga.
Chegamos em um sábado. Planejamos descansar no domingo, dia do segundo jogo do Brasil, e ir aos parques na segunda e terça-feira. Na estrada em direção a Orlando, vimos um cartaz de um certo “Florida Visitors Center”. Perfeito! “Passamos lá para ver as entradas dos parques e também o hotel!”, falamos. Estávamos preocupados, pois o mês de junho já estava terminando e o quase insuportável calor nos lembrava de que o verão estava, certamente, trazendo milhares de turistas.
Os outdoors do tal do “Florida Visitors Center” eram insuperáveis em quantidade. Nem mesmo totens McDonalds eram mais freqüentes. Falei pra Du: “Nada muito bom precisa de tanta propaganda... Mas vamos lá dar uma olhada”.
A chegada foi fácil. O centro de visitantes ficava bem próximo à saída principal. Paramos mais ensimesmados do que nunca, pois o “Center” era uma pequena birosca. Entramos com pressa, pra fugir do sol, e fomos recebidos por uma americana que falava tão rápido que parecia que, propositadamente, não queria que entendêssemos. Logo de cara ela informou que reservas de hotel não eram a praça dela. Paciência... “E os ingressos?”. Estes sim, ela vendia. Na verdade, ela tinha preços excelentes. Começou então a falação, muito rápida, de como era muito bom negócio comprar com ela! Por exemplo: o custo dos ingressos cairia de trezentos e quarenta dólares para cento e trinta. Além disso, ganharíamos um café-da-manhã, buffet, grátis, e um tour por um dos resorts deles!
- Ok… E esse tour… É de quanto tempo?
- Uma hora e meia.
- Isso tudo? E se não quisermos o tour? Podemos pegar somente os ingressos?
- Mas vocês ganham um café-da-manhã grátis!
- E se a gente não quiser o super café-da-manhã gratis?!
- Não é possível. Vocês têm que participar do tour se quiserem os ingressos.
Torci o nariz... Se fosse no Brasil eu sairia correndo, porque certamente seria golpe! Comecei a ler o contrato... Na verdade, uma única página. Lá dizia que eu não poderia faltar... Que, se fosse casado ,a esposa tinha que participar.... Qual a jogada? Imaginei logo que deveríamos ser obrigados a comprar alguma porcaria. Perguntamos qual era o ganho deles... Ah, o tal tour seria uma espécie de palestra de venda. “É um marketing direto”, disse ela.
Dessa vez, tapei o nariz, assinei o papel e entreguei o cartão de crédito. Falei pra Du, em português: “é uma questão de tempo... O balão vai aparecer! Isso tá me cheirando mal...”
Antes de sairmos, perguntamos se poderíamos ficar em um dos hotéis deles... Como eram todos “resorts” cinco estrelas, perguntamos só por perguntar.
- Sim... Vocês podem ficar conosco por apenas cinqüenta dólares por noite.
- “Cinqüenta dólares?...”. Perguntamos se tinha piscina... “Temos sete piscinas!”, gabou-se a matraca americana. “É balão na certa! Acabamos de pagar setenta dólares em um hotelzinho xexelento de beira de estrada!”. Respirei fundo e confiei cegamente na civilidade americana. “Não é possível que caloteiros assim possam agir livremente por aqui! Du, a arapuca vai ter que aparecer!”.
Pagamos uma parte do valor das diárias e fomos para o nosso cinco estrelas. Achamos rapidamente, até porque Orlando é razoavelmente pequena. Na chegada, começamos a entender um pouco o que se passava. O hall do hotel era um completo mafuá, com direito a fitas fazendo vai e vem no check-in. Parecia um aeroporto em pleno caos aéreo! A quantidade de gente que ia, vinha, falava, reclamava era sensacional! Na verdade fiquei um pouco mais tranquilo... O evento já não estava mais naquele status “muito bom pra ser verdade”, e a realidade começava a aparecer.
Esperamos na fila e pegamos as chaves do nosso quarto, que, por sinal, era muito bem equipado. Ainda estava muito calor e resolvemos ir a uma das “sete piscinas”. Escolhemos a mais próxima, que tinha internet. Caos total! Milhões de pessoas! Alguns visivelmente mamados! Quebramos e voltamos pro quarto.
Dia seguinte, domingo de sol. Que tal passar a manhã inteira com alguém buzinando no seu ouvido? Vamos lá pro tal tour. Na chegada, mais um milhão de pessoas. Apresentamo-nos e fomos recebidos por uma brasileira gente finíssima, Tatiana. Ao lado de uma conterrânea, ficamos mais tranqüilos e perguntamos qual era a jogada. Tratava-se de uma empresa de Time Share: um negócio imenso nos EUA. Você compra um trinta avos de um apart hotel e pode usar por uma semana por ano para suas férias. Pareceu-me mal negócio.
A nossa sorte foi que a Tatiana era realmente boa gente, e o papo sobre a vida dela em Orlando e sobre nossa viagem rolou solto. O que era para demorar uma hora e meia acabou alongando-se por mais de duas. Foi bem menos maçante do que imaginávamos. No final, fomos apresentados aos números. Uma surpresa... Não era um mal negócio... Era péssimo! Normalmente esses negócios até aparentam serem bons, e a chance de achar onde está a pegadinha vai depender da capacidade de cada uma de fazer as contas. Agora, esse negócio de Time Share é péssimo até pra analfabeto!
Nosso papo com Tatiana era interrompido, por vez ou outra, por alguém no microfone gritando e celebrando a venda de uma unidade para uma família. Todo mundo aplaudia... Eu morria de pena. Pra mim, era muita enrolação. Mas foi bom para entender finalmente como eles obtinham o retorno dos ingressos vendidos mais barato: a possibilidade de passar duas horas com você, até conseguir te vender um desses balões voadores. E o pessoal de vendas é bom nisso. No final da conversa, falamos pra Tatiana que não nos interessava e que era muito mal negócio.
Para sairmos sem pagar, fomos informados que teríamos que passar pela supervisora. Que saco! Seria pelo menos meia hora de argumentação infundada que teríamos que rebater. Falei sinceramente para a Tatiana que poderíamos até falar com a supervisora, mas pedimos que ela a avisasse que não compraríamos “nem à porrada”. Felizmente a supervisora nos olhou de longe, com cara de assustada, e nos liberou sem mais lenga-lenga. Pena... Já tinha preparado um catatau de contas pra mostrar que era uma furada. Combinamos com a Tatiana de nos encontrarmos em um restaurante brasileiro para ver o jogo. E teria feijão!
Ficamos dando umas voltas pela cidade e nos dirigimos ao restaurante. A quantidade de brasileiros em Orlando é impressionante! Bandeiras brasileiras tremulavam por todos os lados. O Pezão fez sucesso, arrancando buzinadas e fotos do pessoal. No restaurante, tudo certo: feijão bom, vitória e classificação do Brasil para as oitavas-de-final. Partimos de volta pro nosso cafofo.
Nos dois dias seguintes fomos aos parques da Universal. Nada de mais, nada de menos. Simplesmente parques com alguns brinquedos bem legais. Principalmente as montanhas-russas! Foi divertido.
Saímos em direção a Miami, sem grandes novidades na estrada. Muito cimento e muito fast food. Hospedamo-nos em Doral, próximo do aeroporto
Aproveitamos para dar uma descansada, postar o diário do México e preparar o Pezão para o embarque. Demos algumas voltas por Miami Beach e Fort Lauderdale.
O embarque do Pezão foi moleza, se comparado ao evento em Cartagena. Na sombra, dentro do galpão da empresa que contratamos, com duas empilhadeiras à disposição, era quase uma curtição. Pezão embalado, voltei para o hotel.
Demos a sorte de ter conhecido, no hotel, um brasileiro gente boa chamado Luiz. Ele conhecia bem Miami e nos deu várias dicas, além de ter-nos levado para jantar por duas noites em Miami Beach. Foi ponto alto da estadia nos EUA.
Malas prontas, partimos para a Europa. Tínhamos uma semana livre no cronograma, antes de encontrarmos amigos na Noruega, então passamos pela interessante experiência de poder escolher, com total liberdade, o país a ser conhecido. Fomos viajando no Google Earth e nas páginas de compra de passagens aéreas até acharmos uma capital que nos atraísse: Glasgow, Escócia!
A estadia nos Estados Unidos da América, com toda a sua estrutura, cumpriu seu propósito: conseguimos dar uma boa avançada na quilometragem rodada e enviamos confiantes o Pezão para atravessar o Atlântico e aportar em Rotterdam, Holanda. Experimentamos também o gosto da organização e presença do poder público: não fomos parados ou importunados uma única vez por policiais ou quaisquer picaretas. Mas nossa real vontade era a de conhecer lugares mais interessantes, e o Velho Mundo, à nossa frente, prometia um bocado.